Dorgival Dantas nasceu em Olho D’Água do Borges, sertão do Rio Grande do Norte, e ainda criança começou a tocar com seu pai, Cícero Dantas, nas fazendas e cidades da região.
Sanfoneiro e compositor de grandes sucessos como “Coração”, “Você Não Vale Nada” e “Destá”, ele sabe bem do impacto da não realização das festas juninas para quem depende delas.
“Rapaz, isso é mais ou menos como um pesadelo, um sonho ruim. Nesse momento são pessoas que não precisam só de uma palavra bonita, de um poema. O poema mais bonito do mundo não enche uma barriga”, diz.
“Todos os anos quem mexe com isso, seja tocando, vendendo ou fazendo qualquer coisa, se programa o ano inteiro”, explica. “São poucos dias de felicidade e quando passam, deixam um trocadinho, mas depois pensam ‘vamos se preparar porque o próximo ano vai vir'”.
Dessa vez, não veio. As festas de São João de Caruaru foram canceladas em 2020 e as de Campina Grande foram adiadas para outubro por conta da pandemia do novo coronavírus.
São João no sertão
Dorgival tem várias passagens pelas grandes e tradicionais festas juninas do nordeste, mas gosta mesmo é de lembrar quando tocava com o pai, Cícero Dantas, a partir dos 13 anos.
Sem muita estrutura, o forró começava com caixas de som improvisadas e terminavam no “seco”. “Só voz e sanfona mesmo puro e ninguém reclamava. A gente podia começar nessa época 19h mais ou menos e ia até 7, 8, 9, 10h da manhã”, lembra Dorgival.
Os longos shows aconteciam por conta da animação do público, mas também existia o fator do medo em alguns lugares.
“Às vezes a gente ia tocar em um cantinho que a gente sabia que tinha que chegar calado e sair mudo, aí que a gente tocava mesmo. Não tinha esse negócio de intervalo”, diz.
“Naquela época no sertão, às vezes tinha um ‘cabra’ valente na região. Se você parasse era possível dizer: ‘Parou por quê?’. Ah rapaz… Vamos tocar agora mesmo, até quem pode mandar se cansar e falar : ‘Pronto. Agora pode ir pra casa. Tinha suas leis, eram as leis da época, era como aqueles filmes de faroeste.”
Ele fica nesse mês de junho cheio de saudade: “Quando eu olho para a sanfona, eu vejo meu pai, sinto meu São João. Eu volto ao passado sem sair do presente”, conta.
Mistura de gêneros no São João
O saudosismo de Dorgival também é justificado pelo cenário musical das décadas de 80 e 90, em que ele ouvia Luiz Gonzaga tocado no rádio enquanto tomava café.
“Vamos supor que tenha um programa duas horas hoje, talvez não se toque mais nem um forró de antigamente e talvez o que mais prevaleça sejam outras canções. Eu não gosto muito disso”, confessa.
A discussão da entrada de outros gêneros nas festas de São João, como o sertanejo e o eletrônico, não é nova entre os forrozeiros.
“Eu sempre dizia uma coisa eu jamais vou torcer, pedir ou lutar contra que venha alguém de outra região, de outro estilo tocar. Agora lamento o forró não ter essa oportunidade lá fora em outros eventos sem ser só de forró”, diz.
Pioneiro em lives?
Com os shows cancelados, os artistas precisaram se reinventar e as lives surgiram como forma de entreter o público e também de manter os patrocínios em dia.
Para Dorgival, no entanto, o ato de ligar uma câmera de casa e cantar para o público na internet não é novo.
“Eu botava a minha sanfona em cima de uma cadeira e dizia ‘quando chegar a 5 mil eu começo a tocar ao vivo’. Ninguém fez isso, foi só Dorgival”, diz e ri ao lembrar de 2011 e 2012.
“Eu botei quatro hashtags em uma live só nos trends, aí veio o Justin Bieber para o Brasil e botou duas. Eu digo ‘Um fio da égua desse botou duas, eu botei quatro e ninguém diz nada?'”
Dorgival fez uma live no Dia dos Namorados e vai participar do São João com Wesley Safadão, Luan Santana e Saia Rodada no próximo sábado (20).
Ele diz que sai de casa com medo, mas entende que a música pode ajudar as pessoas durante a pandemia. “Eu vou só me apegando com Deus e saio.”
“Mesmo não sendo cardiologista, acredito que minha sanfona, minha música e meu trabalho conseguem fazer bem para muitos corações. É muito bom saber que você consegue fazer o bem para as pessoas”.
Blog do Mauro Ferreira