O Ministério Público Federal (MPF) e o Ministério Público da Paraíba (MPPB) querem que a Secretaria Municipal de Saúde de João Pessoa assuma o controle efetivo e integral da regulação de todos os procedimentos relacionados ao atendimento oncológico do Hospital Napoleão Laureano (HNL).
A recomendação foi emitida na sexta-feira (2), mas tornada pública nesta terça (6), um dia após a divulgação de um relatório da Controladoria Geral da União (CGU) que aponta um esquema de “fura-fila”, erros de medicação, alta quantidade de óbitos e outras irregularidade no hospital.
A recomendação conjunta foi assinada pelo procurador da República José Guilherme Ferraz da Costa e pelo 40º promotor de Justiça da capital, Alexandre Jorge do Amaral Nóbrega. A medida foi expedida com objetivo de acompanhar o funcionamento da unidade hospitalar, que é o único centro de assistência de alta complexidade em oncologia no território paraibano.
“Nós constatamos situações desesperadoras de pacientes, inclusive urgentes, sem sequer uma marcação de consulta, atrasos enormes no início do tratamento dessas pessoas, e é por isso que foram recomendadas providências urgentes”, afirmou procurador da República José Guilherme Ferraz.
Em nota, o hospital afirmou que os casos em questão eram de pacientes do interior que, por seu estado de saúde, poderiam “sucumbir” na fila. Alegou, ainda que “em muitos casos, o quantitativo de vagas destinadas a pacientes do interior é bastante limitado, restringindo, assim, o atendimento de parte destes pacientes via Regulação de João Pessoa”. A direção também garantiu que isso não causou nenhum prejuízo a outros pacientes.
Após a divulgação do relatório do CGU, a prefeitura Municipal de João Pessoa divulgou nota informando que tinha notificado o Hospital Napoleão Laureano com objetivo de garantir a assistência necessária a todo e qualquer paciente com neoplasia. ” A Secretaria de Saúde ressalta que tomou as medidas necessárias neste primeiro instante e não irá permitir que os pacientes não realizem suas terapêuticas por justificativas inaceitáveis”, afirmou o secretário Luis Ferreira.
O MPF e o MPPB também recomendam que os pacientes em situação de urgência devem ser atendidos imediatamente e que consultas e tratamentos devem ser realizados dentro do prazo legal para os pacientes identificados sem o devido atendimento.
“Os ministérios públicos também convocam os pacientes, os familiares de pacientes com diagnóstico oncológico e que estejam aguardando a marcação do início do seu tratamento, que não tiveram sequer acesso a consulta com oncologista clínico pra fazer essa marcação, que preencham o formulário que estamos ofertando no nosso site para auxiliar a SMS em mapear qual a efetiva demanda reprimida”, concluiu o procurador.
O formulário pode ser acessado no site do MPF.
Os órgãos ministeriais recomendaram à SMS que se abstenha de destinar emendas parlamentares federais e municipais sem observar a legislação de regência, notadamente quanto à priorização de melhorias efetivas no volume e agilidade de atendimentos/tratamentos para pacientes com câncer, de acordo com o planejamento local do Sistema Único de Saúde (SUS).
Repasses enviados para compra de medicamentos devem ser reavaliados, com objetivo de evitar pagamentos em duplicidade para a mesma despesa, além de agilizar a análise das prestações de contas. A secretaria também deve aumentar a transparência desses repasses.
À Secretaria de Estado da Saúde da Paraíba (SES), a recomendação foi para que exerça a coordenação e articulação da rede estadual de oncologia e, ao Departamento Nacional de Auditoria do Sistema Único de Saúde (Denasus), que monitore a mesma rede, acompanhando medidas de correção de irregularidades apontadas por ele próprio e pela Controladoria-Geral da União (CGU). O objetivo é regularizar o atendimento aos pacientes paraibanos que aguardam tratamento de câncer.
As verbas públicas
Os autores da recomendação também afirmam que as autoridades públicas optaram por não prestar diretamente o serviço de saúde oncológico, preferindo “confiar o tratamento de saúde de mais de 70% dos pacientes portadores de neoplasias malignas a uma fundação privada, repassando-lhe, para tanto, vultosos recursos públicos”. Porém, o repasse de verbas públicas não estaria sendo fiscalizado corretamente pelas autoridades.
Segundo o MPF e MPPB, a diretoria do hospital alega problemas relacionados à limitação de teto financeiro para justificar as falhas no atendimento, no entanto, o Tribunal de Contas da União (TCU) constatou que, entre 2018 e 2022, o município de João Pessoa repassou recursos federais provenientes de emendas parlamentares à Fundação Napoleão Laureano, por meio de treze termos de fomento, no valor total de mais de R$ 17,7 milhões.
Segundo o TCU, o repasse foi realizado com descrição genérica dos gastos e sem transparência. O tribunal também afirma que, nos últimos dois anos, foram destinados mais de R$ 12 milhões em emendas parlamentares de origem federal, conforme se observa da relação apresentada pela Secretaria de Saúde Municipal, além de mais R$ 3,5 milhões em emendas parlamentares municipais.
O MPF e o MPPB também apontam que o hospital utiliza a maior parte dos recursos para custear folha de pagamento, encargos sociais e outras despesas de caráter administrativo ou de manutenção física, por exemplo, serviços de engenharia e implementação de sistema de gestão estratégica; compra de equipamentos ou cursos de capacitação. No entanto, não cumprem metas de ampliação de atendimentos, para redução de filas ou agilização de atendimentos.
Entenda o caso
Um relatório da Controladoria Geral da União (CGU) apontou falhas e irregularidades nos atendimentos do Hospital Napoleão Laureano. Segundo o documento, foi constatado um esquema “fura-fila” em que que diversos pacientes iniciaram seus tratamentos oncológicos sem autorização da Central de Regulação da Secretaria Municipal de Saúde de João Pessoa, realizando pagamentos diretamente ao hospital.
O relatório conclui que o fato de pacientes iniciarem seus tratamentos oncológicos sem autorização da Central de Regulação constitui indício de que o acesso igualitário e gratuito não é garantido pelo hospital.
Constatou-se que os pagamentos foram de despesas referentes a serviços médico-hospitalares e ambulatoriais prestados pelo hospital a pacientes SUS, cujo ingresso deveria acontecer por meio do Sistema de Regulação da Secretaria Municipal de Saúde de João Pessoa.
Para a CGU, a prática favorece o ambiente de troca de favores, a exemplo da troca de votos para os políticos e autoridades municipais que possibilitaram o acesso ao serviço referenciado independentemente da regulação.
Além do esquema de fura-fila, a CGU identificou irregularidades como atrasos e interrupções nos tratamentos, bem como ocorrência de erros de medicação e precariedade nas informações dos prontuários dos pacientes, além de um elevada quantidade de óbitos comparada a outros estados da Região Nordeste.
Portal do Brejo com Jornal da Paraíba