Em Baía da Traição, laboratório de análises clínicas na aldeia Potiguara está ameaçado de fechar, diz cacique

O laboratório de análises clínicas destinado a atender exclusivamente a população indígena, localizado na cidade Baía da Traição, no Litoral Norte da Paraíba, pode estar prestes a ser extinto. De acordo com a comunidade potiguara da cidade, o laboratório é único do tipo no país, é todo automatizado e com equipamentos de ponta, e funciona desde 1999, mas agora sofre a ameaça de ser fechado pela Secretaria Especial de Saúde Indígena (Sesai), órgão ligado ao Ministério da Saúde do Governo Federal.

Ainda em 2019, o povo potiguara conseguiu impedir que a intenção fosse concretizada, mas neste ano foram informados de que o novo secretário especial de Saúde Indígena, Robson Santos da Silva, segue com a intenção de fechar o laboratório, sob a alegação de que não existe previsão orçamentária.

O cacique geral do povo Potiguara, Sandro Gomes Barbosa, explica que o laboratório está localizado na Aldeia Forte e integra a estrutura do Polo Base de Baía da Traição do Distrito Sanitário Especial Indígena Potiguara. Ele destaca que por estar geograficamente perto da comunidade, o atendimento especializado fica muito mais fácil.

“Fizemos um estudo no ano passado. Sairá muito mais caro para o Governo Federal encaminhar os indígenas que precisam fazer exames para Mamanguape ou para João Pessoa do que manter o laboratório funcionando”, comentou.

De acordo com o cacique, foi feita uma reunião com técnicos do Sesai em 2019 para pleitear a manutenção do equipamento, e que agora a ideia é realizar em paralelo uma campanha nas redes sociais para mobilizar não só a comunidade, mas a população da Paraíba.

“O laboratório é muito importante para a gente. É uma diversidade de exames que temos acesso dentro de nossas próprias aldeias”, lamentou.

Cacique Potiguara (ao centro) relatou que seu povo tem lutado para evitar o fechamento desde 2019 — Foto: Andreza Andrade / Projeto Gati
Cacique Potiguara (ao centro) relatou que seu povo tem lutado para evitar o fechamento desde 2019 — Foto: Andreza Andrade / Projeto Gati

O farmacêutico bioquímico Mário César da Fountora, que há seis anos trabalha em áreas indígenas paraibanas e também no laboratório, e que o coordenou entre 2014 e 2019, explica que o laboratório de análises clínicas da Aldeia Forte realiza anualmente entre 35 e 40 mil exames. São mais de 30 tipos, das áreas de hematologia, bioquímica, urianálise, parasitologia e microbiologia. E, nos últimos tempos, vem realizando também testes rápidos de Covid-19.

“É uma ferramenta muito importante de apoio diagnóstico para as áreas de saúde que atendem as comunidades indígenas. Existe uma unanimidade por parte de médicos, enfermeiros e odontólogos que essa velocidade no resultado é fundamental para o bom atendimento. E isso só é possível porque estamos muito próximos dos indígenas”, ressaltou Mário César.

O professor Estevão Palitot, da Universidade Federal da Paraíba, que há quase 20 anos pesquisa e dialoga com os povos indígenas nordestinos e que integra o Observatório Antropológico de Covid-19 da UFPB, declara que a perda de um laboratório de referência como esse, principalmente se considerar que ele é o único localizado dentro de terras indígenas brasileiras, representaria um “grande retrocesso”, que colocaria os direitos indígenas e o próprio funcionamento do Sistema Único de Saúde (SUS) em risco.

“No contexto da atual pandemia, perder um recurso material e humano dessa monta seria muito ruim. É importante que haja uma pactuação das diversas esferas de governo para evitar que isso aconteça. Afinal, trata-se de um serviço que existe há mais de 20 anos e que tem conseguido atingir metas muito interessantes no atendimento à população indígena paraibana”, opinou.