Mudança de estatuto gera crise entre Conselho de Ética e direção do COB; ouvidora interina deixa cargo

Após a assembleia geral que mudou regras em seu estatuto, realizada na última quinta-feira, e a revelação de um relatório que aponta supostas fraudes em licitações em serviços de tecnologia envolvendo funcionários, o COB (Comitê Olímpico do Brasil) viu instalada a maior crise interna desde que Paulo Wanderley Teixeira assumiu sua presidência, em outubro de 2017.

Na mesma quinta-feira, a advogada Alessandra Martins da Nóbrega, que ocupava extraoficialmente o cargo de gerente de compliance (conformidade) no comitê, pediu para deixar o posto. Alessandra também é funcionária do departamento jurídico da entidade e continua na função.

Ela fazia funções no cargo desde setembro, após a demissão do então gerente Rodrigo Carill. Assim, neste momento, o COB está sem um responsável por compliance, isto é, o gestor encarregado de manter normas de correção de conduta corporativas.

A posição de compliance é chave para entender uma crise aberta entre a direção do COB – principalmente nas pessoas de Teixeira e seu diretor jurídico, Luciano Hostins – e integrantes do Conselho de Ética (CE), que é independente.

Criado em uma reforma estatutária no final de 2017, o CE é composto por cinco membros escolhidos por assembleia geral. Todos eles não têm ligação nem são remunerados pelo COB. As funções do conselho giram em torno de zelar pela manutenção das conformidades estabelecidas em estatuto.

Sem uma pessoa na posição de compliance, o trâmite dos trabalhos do CE fica paralisado.

Até quinta-feira, o CE tinha autonomia para promover investigações e julgamentos das denúncias que recebia, desde que concernentes ao COB – ele havia, por exemplo, feito uma advertência pública à CBDA (Confederação Brasileira de Desportos Aquáticos). Na assembleia da quinta-feira, o órgão interno perdeu a prerrogativa de apuração e julgamento. A partir de agora ele passa a ser, antes de tudo, um regulador; apenas a assembleia geral poderá deferir condenações.

Outra proposta da direção do COB era tirar a área de compliance da seara do conselho, mas isso foi rejeitado. A reportagem apurou que na quinta-feira todos os cinco integrantes do CE renunciariam se as propostas passassem na sessão.

Integrantes do conselho souberam das propostas de mudanças apenas na quarta, um dia antes da apreciação na assembleia. O presidente do CE, Alberto Murray Neto, protestou com veemência em sua conta no Twitter:

– O Conselho de Ética do COB, por meio de seus membros, manifesta sua discordância com as mudanças estatutárias propostas pela Diretoria, considerando-as um retrocesso. Nosso Conselho não foi consultado sobre essas alterações e apenas tomou conhecimento de seu conteúdo horas atrás – escreveu Murray em sua conta no Twitter.

Murray é neto de Sylvio de Magalhães Padilha, ex-presidente do próprio COB (1963-1991) e morto em 2002. Padilha receberá uma homenagem do comitê no PBO, mas nenhum familiar dele irá à cerimônia devido à desavença.

Outro integrante do CE, Sami Arap, anunciou na semana passada que será candidato à presidência do COB na próxima eleição, em 2020, quando deverá ser opositor de Paulo Wanderley Teixeira. Arap, ex-presidente da Confederação Brasileira de Rugby, deve fazer um anúncio público nesta semana para confirmar a intenção.

Neste domingo (1º), o CE enviou uma nota a Teixeira e à direção do COB na qual reitera, entre outros itens, que “os poderes investigativos do Conselho de Ética do Comitê Olímpico do Brasil, a sua independência funcional, a autonomia das suas decisões, a autoexecutoriedade de suas punições e os princípios de governança são conquistas do esporte brasileiro e não devem ser retirados do Estatuto do COB, sob pena de retrocesso indesejado, mesmo que a Assembleia Geral soberanamente possa fazê-lo”.

CONTRATAÇÃO EM ANDAMENTO

Procurado pela reportagem, o COB afirmou que o processo de contratação de um novo profissional para a vaga está em andamento.

Segundo o comitê, Alessandra Nóbrega foi designada em junho – após a demissão do gerente William Evangelista – para servir de interlocutora com o Conselho de Ética e “levantar as pendências da área e dar encaminhamento às questões mais urgentes”. Ela manteve-se com essas atribuições até a contratação de um novo gerente, Rodrigo Carril, em 2 de setembro.

Carril acabou demitido apenas dez dias depois. Ainda segundo nota do COB, depois disso Alessandra “passou a ser demandada pelo Conselho de Ética, em detrimento de suas atribuições originárias”. De acordo com o comitê, “o acúmulo contínuo das tarefas das duas áreas é incompatível” e por isso acatou o pedido de afastamento da funcionária das atividades junto ao Conselho de Ética.

Quanto à alteração estatutária que mudaria a subordinação do Comitê de Conformidade ao Conselho de Administração, o COB afirmou que “buscou seguir as corretas práticas de governança”.

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