♪ MEMÓRIA – Vocalista e principal compositor da banda brasiliense Legião Urbana, Renato Russo (27 de março de 1960 – 11 de outubro de 1996) poderia estar hoje festejando o 60º aniversário de vida se, há 14 anos, não tivesse sido uma das vítimas fatais da epidemia de Aids.
Renato saiu de cena, mas, no caso dele, é válido o clichê do mundo do rock, povoado por estrelas imortais. Renato Russo vive! E permanece como um dos principais pensadores da geração coca-cola projetada ao longo da década de 1980 com a expansão do pop rock no mercado brasileiro.
Somente o contemporâneo Cazuza (1958 – 1990) ombreia Renato Russo nessa seara poética, já que a individualidade de Arnaldo Antunes somente começou a ser mais bem delineada com a saída do artista do grupo Titãs.
Renato Russo e Cazuza são para a turma dos anos 1980 o que Caetano Veloso e Chico Buarque e Caetano Veloso representaram para quem viu florescer a genial geração da MPB da década de 1960. Foram eles que deram o tom.
Cazuza era mais desbocado e direto como poeta. Renato, de início, seguiu essa linha ao externar a virulência punk na composição do repertório da banda punk Aborto Elétrico, cancioneiro parcial e naturalmente herdado pela Legião Urbana. Mas, aos poucos, o poeta adotou discurso mais filosófico, lírico, interiorizado, metafórico, às vezes até depressivo. Em suma, Renato Russo fazia poesia urbana na forma de letras de música.
Por ter vivido parte da vida em Brasília (DF), um dos epicentros da explosão do punk brasileiro, Renato falou muito de política na obra musical. Mas falou também de (des)amor e de ética nas esferas pública e privada. Tempo perdido (1986), Quase sem querer (1986), Há tempos (1989), Pais e filhos (1989) e Vento no litoral (1991) são somente cinco, entre dezenas de exemplos, da habilidade de Russo de encadear versos existencialistas sem rebuscamentos excessivos.
As letras de Russo quase nunca foram escritas com a informalidade de conversas de botequim. Havia quase sempre alta carga poética embutida em certa coloquialidade, mas os versos do poeta tampouco soavam complicados, ininteligíveis.
O sucesso massivo da Legião Urbana atestou a capacidade de Renato Russo de dialogar com a própria geração burguesa, filha da revolução. Todo mundo entendia o recado, mesmo que não decifrasse uma ou outra referência literária ou poética inserida em um verso.
Por isso mesmo, o cancioneiro do compositor sobrevive à morte do poeta e atravessa gerações.
Por Mauro Ferreira