♪ MEMÓRIA – São poucas as bandas, em todo o universo pop, que chegam aos 40 anos. São mais raras as bandas que completam quatro décadas em atividade sem interrupções e com a mesma formação. São ainda mais raras as bandas que continuam mobilizando pequenas multidões a cada show, mesmo tendo atravessado eventuais períodos de baixa produtividade e de queda de popularidade.
O sexteto carioca Roupa Nova é uma dessas raríssimas bandas. Formada em 1980, com direito a batismo com música inédita de Milton Nascimento e Fernando Brant (1946 – 2015), a banda Roupa Nova completa 40 anos em 2020 como caso singular de longevidade no universo pop brasileiro e mesmo mundial.
A efeméride será comemorada com gravação de show programado para 6 de junho, na Jeunesse Arena, no Rio de Janeiro (RJ), cidade natal do grupo.
O Roupa Nova tem muito o que festejar. Afinal, trata-se de banda que, mesmo sempre distante do hype e mesmo há anos fora das paradas oficiais e das playlists do momento, se mantém na ativa, com sucesso, por conta da fidelidade do público.
É fato que, no último álbum, As novas do Roupa (2019), o grupo tentou se atualizar com os sons do mercadão pop da atualidade e flertou com o universo sertanejo na (boa) música Luzes de emergência (Samuel Deolli, Davi Jonas e Lucas Santos, 2018). Contudo, em essência, a banda sempre permaneceu fiel ao pop romântico, simples e eficiente que lhe garantiu sucessivos hits na parada tecnopop dos anos 1980.
Nessa década áurea, Cleberson Horsth (teclados e vocal), Kiko (Eurico Pereira da Silva Filho, violão, guitarra e vocal), Nando (Luiz Fernando Oliveira, baixo e vocal), Paulinho (Paulo César dos Santos, voz, percussão e vocal), Ricardo Feghali (teclados, violão, guitarra e vocal) e Serginho (Sérgio Herval Holanda de Lima, voz, bateria e vocal) foram minimizados, quando não desprezados, pelos críticos de música de época por conta do som enquadrado nos moldes da indústria pop da década.
Só que que, enquanto bandas como Legião Urbana e Titãs deixavam pegadas perenes na história do rock brasileiro sob as bençãos dos críticos, o Roupa Nova seguia pavimentando um caminho que, analisado com o benefício da perspectiva do tempo, também legou rastros sob o prisma da (boa) música pop de massa.
Se os críticos relegavam o grupo ao terceiro ou quarto escalão do pop, os produtores e técnicos de estúdio sabiam que o sexteto aglutinava músicos de primeira linha e, por isso mesmo, os integrantes do Roupa Nova sempre foram requisitados para polir gravações de estrelas da MPB como Gal Costa e Simone com o verniz pop melodioso do grupo. Estrelas que nem sempre deram o devido reconhecimento ao grupo.
Com razão, o Roupa Nova guarda mágoas do panteão da MPB e dos críticos que quase nunca os reconheceram como talentos do pop nacional. Ainda vivas, essas mágoas saltaram ao longo das páginas do livro Tudo de novo – Biografia oficial do Roupa Nova (2013).
Nesse livro, a jornalista Vanessa Oliveira narrou a história do Roupa Nova, cujas origens remontam ao fim dos anos 1960 com a formação de duas bandas, Los Panchos Villa e Os Famks, criadas para animar os bailes da vida. Foi dos Famks (grupo que em 1976 abarcou Kiko, Ricardo Feghali e Paulinho, os três egressos do grupo Los Panchos Villa), que surgiu o embrião do Roupa Nova.
Em 1980, o mercado fonográfico do Brasil já começava a se abrir para o pop arejado de bandas como A cor do Som, Boca Livre e 14 Bis. Nos três primeiros álbuns, o Roupa Nova entrou nessa onda com som alto astral, um pop leve e romântico de verão. As canções Bem simples (Ricardo Feghali e Mariozinho Rocha, 1981), Sapato velho (Mu Carvalho, Claudio Nucci e Paulinho Tapajós, 1978) – música lançada em disco pelo Quarteto em Cy, mas propagada nas vozes harmoniosas do Roupa Nova em gravação de 1981 – e Anjo (Renato Correa, Claudio Rabello e Dalto, 1983) fizeram sucesso, no rastro da seminal Canção de verão (Luis Guedes e Thomas Roth, 1980).
Contudo, o Roupa Nova somente começou a criar o próprio modelo de som quando se transferiu da Philips para a RCA, em 1984, e investiu em repertório autoral, sob a batuta de Miguel Plopschi. O público e o sucesso foram amplificados, sobretudo a partir do álbum de 1985, disco que legou baladas como Seguindo no trem azul (Cleberson Horsth e Ronaldo Bastos) e Linda demais (Kiko e Tavinho Paes), além da regravação de Dona (Luiz Carlos Sá e Guarabyra, 1982).
E merece aplausos de pé por ter permanecido 40 anos em cena com casas cheias, com público renovado (a partir do projeto acústico gravado nos anos 2000) e com a mesma formação (quase desmontada, por um triz, quando Serginho cogitou deixar a banda ao se converter à religião evangélica).
O Roupa Nova é exemplo de que o universo pop recompensa quem persevera longe do hype e das modas. A roupa nem sempre foi nova, ao contrário do que faz acreditar slogan da atual campanha publicitária protagonizada pelo grupo, mas sempre coube perfeitamente no gosto popular ao longo dos 40 anos de vida da banda carioca.